Poeta e Escritor premiado Frei Benjamin Sanchez Espinosa, com o peseudônimo de Frei Asinello, mora em Jalisco, no México. É o autor deste Poema, que para mim é o mais lindo que já li sobre a Via Sacra de Jesus.
ROMANCEIRO DA VIA DOLOROSA POR FREI ASINELLO
I ESTAÇÃO
JESUS É CONDENADO A MUERTE
Te condenaram à morte
teu silêncio e meu silêncio.
As gargantas em tumulto
diante do Pretor sonolento,
lapidaram com seus gritos
o mármore de teu silêncio...
Fala, Jesus, que te matam!
Embrulhada em teus silêncios
a morte vem voando
entre grasnidos de corvos.
Fala, Senhor, tua palavra,
como um furacão de fogo,
saia de tua boca e queime
o falso dos desonestos!
Por que ficas calado
se és o Divino Verbo...?”
A boca de Deus ficou
baldia como o deserto.
O condenaram à morte
seu silêncio e meu silêncio.
Esculpiram as gargantas
alaridos ao meu medo.
À
sondas
de gritos
devia levantar meu peito
-dique de amor e diamante-
contra a torrente obstinada.
Porém fui areia medrosa
que não supus defendê-lo.
Devia gritar-lhes: “Judeus,
eu sou, eu sou o perverso;
a mim o fel, os espinhos,
a mim a cruz e o flagelo!”,
porém anulou minha voz
a vil serpente do medo.
Pastores, por covardia
mataram meu Cordeiro:
foi mais forte que meu amor
o latido dos cães...!
O condenaram à morte
seu silêncio e meu silêncio:
um, silêncio de amor;
outro, silêncio de medo
II ESTAÇÃO
JESUS SE ABRAÇA COM A CRUZ
Acerca-te, Bem-amada,
com os dois braços abertos
A ti corro enamorado
como um ciclone, de desejos.
Tenho sede de teu regaço para morrer em silêncio.
Amada, a pressentida
desde os montes eternos,
a eleita pelo Pai
para o Varão Unigênito,
és morena de sol
e tens olor de cedro,
eu porei sobre teus ombros
o linho em flor de meu corpo
e um manto vermelho, preso
com cinco rosas de fogo:
divino traje de bodas
no abraço supremo!
Vem aos meus braços, Amada,
com os dois braços abertos.
Debaixo da noite do ódio
iremos pelo caminho
relampagueante de gritos
e enraizado de tropeços:
que o amor sempre caminha
por sendas de sofrimento.
Quando estamos no cume
unidos os dois e quietos,
em holocausto enfumaçado,
transverberados de fogo,
uma nova epifania
alumiará terra e céu
Serás chamada senhora
e Mãe de muitos povos.
Virão a ti com seus dons
os reis do mundo inteiro.
Com teus braços estendidos
serás rosa dos ventos
que conduza caminhantes ao meu Coração aberto.
Os que a Mim queiram vir
terão que amar-te primeiro...
Saiamos já, Bem-amada
com os dois braços abertos.
III ESTAÇÃO
DEBAIXO DO PESO DA CRUZ JESUS CAI
Dizei-me quem me beijou
com uns lábios de fogo....
Muitas vezes tenho sentido
o ósculo do inverno.
Seus lábios -flocos de neve-
ao cair brancos e lentos
me vestem com a pureza
dos glaciais eternos:
são um batismo de graça
que me renova por dentro.
Ao chegar a primavera
florida pelos outeiros,
a fecundidade desperta em meus entorpecidos seios.
Com suas papoulas vermelhas
como me cobre de beijos,
e cascavéis de espigas
e música de rouxinóis!
Porém nunca conheci
um beijo como este beijo:
me deixou mais branca
que as altas geleiras
e me tornou mais fecunda
que os jardins do céu!
Dizei-me quem me beijou
com uns lábios de fogo.
Que doce, quando o estio
com seus lábios de aguaceiro
deixa o canal de minhas tranças
estrelado com seus beijos,
e minhas areias febris
ungidas de refrigério!
Que triste o beijo de outono,
quando, ao impulso do vento,
beija com suas folhas secas
a prata de meus caminhos
e me deixa na garganta
sabor de morte e de duelo!
Porém nunca conheci
um beijo como este beijo:
tão pleno de suavidades,
de tristeza e de mistério...
Eternos lábios feridos,
divinos lábios de fogo
que, queimando, purificam
e servem de refrigério;
lábios de Cristo, caído
no caminho tremendo,
à Terra, vossa escrava,
assim a tratais, com beijos ... ?
Oh lábios, eu não sou digna,
porém.... beijai-me de novo!
IV ESTAÇÃO
JESUS SE ENCONTRA COM SUA MÃE
Cristo, meu Menino,
para onde vais?
Maria, Mar de lágrimas,
quem te dirá?
Pezinhos como lírios
que em meu regaço cresceram,
por que levais o meu menino
por tão ingratas veredas:
tapetes: charcos de sangue,
sandálias: chagas de fogo?
Mãozinhas de jasmins
que em dezembro floresceram,
por que vos afastais crispadas
sobre esse escuro madeiro
e nem podeis despedir-se de mim, perfumando, ao vento?
Cristo,
meu Menino,
para onde vais?
Maria, Mar de lágrimas,
quem te dirá?
Oh cabeça de meu Menino
que dormiu sobre meu peito,
negros espinhos te cingem,
já não dulcíssimos beijos,
dor e pranto te arrulham,
já não
tem cantos maternos!
Oh punhadinho de mirra
que perfumaste meu seio
Por que vais com esses homens
e a mim me deixas gemendo?
Eu, por Ti, dera minha vida,
eles... dão trinta dinheiros!
Cristo,
meu Menino;
para onde vais?
Pobre Maria, Mar de lágrimas,
não te cansas de chorar.
V ESTAÇÃO
O CIRINEU AJUDA JESUS LEVAR A CRUZ
Eu serei teu cirineu,
Tu, Jesus, serás o meu.
És do mesmo barro meu,
Deus suado e ferido,
te faltam muitas caídas
para chegar ao patíbulo.
Tua vida pode quebrar-se
à metade do caminho,
e se morres nessa hora
nos deixas sem crucifixo,
sem testamento, sem Mãe,
sem o Refúgio Divino
de teu Coração, aberto
pela lança de Longinos...
Tens que chegar ao altar
morto de dor... e vivo;
se te oprime muito o peso
de teu amor e meus delitos,
eu serei teu cirineu...
Vamos ao Sacrifício!
E depois, quando na vida
se mudam nossos destinos,
quando Tu, ressuscitado
todo embalsamado e limpo
me esperas nos trigais
vivo mas escondido,
e eu cruzo diante de teus olhos
feito tremor e martírio,
levando minha cruz às costas,
de dor esmorecido,
Tu serás o cirineu
que me leva ao Sacrifício.
És, como eu, de barro;
faz-me, como Tu, de trigo;
expreme-me sobre o monte
como maduro racimo;
e os dois, compenetrados,
feitos de farinha e de vinho,
no cume amanecido
seremos um Sacrifício.
VI ESTAÇÃO
VERÔNICA ENXUGA O ROSTO DE JESUS
Assim quero que me pintes
sobre meu peito teu rosto.
No presépio, de menino,
eras estrelinha de ouro;
de jovem, entre os lírios,
o mais fragrante de todos,
debaixo dos sóis maduros
parecias o mais formoso;
mas hoje quando todos dizem
que não tens nem decoro,
é quando eu gosto mais:
és o Divino Rosto!
Assim quero que te pintes
em minhas entranhas muito profundo,
com pinceladas de sangue,
de salivas e de pó;
roxo de bofetadas,
empalidecido de opróbrios.
Me enamoras como nunca
porque em teu rosto conheço
todo o amor que me tens
aceso e doloroso.
Meu coração é o lenço
para que pintes teu rosto.
Em Ti quero retratar-me
como um espelho no outro.
Que não me faltem espinhos
nem lágrimas nos olhos,
nem suor, nem bofetadas,
nem manchas de sangue e lodo!
Com tanto que a Ti me pareça,
sofrer me parece pouco.
VII ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA SEGUNDA VEZ
Quem tirou o Pão dos filhos
para dá-los aos cães?
Vivo Floco de farinha
caído sobre a vereda,
Pedaço de pão cozido
em fornos de sofrimento,
Migalhinha deslizada
desde o regaço paterno,
para cair no pó
desceste dos céus?
Escândalo dos filhos,
Ludíbrio de todo o povo,
assim queres que te comam
os ricos, os opulentos?
És tão pouquinha coisa,
estás tão sujo e tão feio
que nem o filho mais humilde
nem o mendigo mais faminto
se dignariam inclinar-se
por recolher-te do solo.
Quem tirou o Pão dos filhos
para dá-lo aos cães?
Eu bendigo tua caída
que infunde atrevimento.
Com lágrimas e tremores
de ternura a Ti me acerco.
Eu sou o pobre cachorrinho
perfurado de fome e de medo.
Se não tivesse caído,
como chuva, em meu deserto,
cheio de angústia e miséria
Eu morreria sem remédio.
Estavas, oh Deus, tão alto
e eu tão vil e pequeno!
Debaixo de teu traje de pó
escondido, te apresento
tão cheio de resplendores
como na glória do céu.
Se os homens não te querem,
vem, e descansa em meu peito.
Migalha de pão caído
para a fome dos cães:
o amor que me tiveste
te pôs em tais extremos!
VIII ESTAÇÃO
JESUS CONSOLA ÀS PIEDOSAS MULHERES.
Não quero chorar por Ti:
quero chorar meus pecados.
As almas vem seguindo
a púrpura de teus passos;
todas querem consolar-te
e todos vem chorando!
eu, Senhor, mesmo que te vejo
todo de Amor chagado,
não quero chorar por Ti,
oh Divino Enamorado.
Eu sei que por fora sofres,
mas, por dentro, estás gozando,
porque o Amor, quando fere,
é como aroma de bálsamo
que quanto mais nos traspassa
é mais suave e delicado.
As feridas de amor tem sabor
de mel e cheiram a nardo.
Por que então, sem querê-lo
vão minhas lágrimas brotando?
Senhor, não choro por Ti:
mas choro por meus pecados!
Não choro por ver-te ferido,
choro por haver-te esquecido.
Deixa-me chorar, Senhor,
para sempre, sem descanso.
Deixa-me chorar, Senhor,
-chuva de pétalas brancas-
de meus olhos doloridos
caiam as gotas de pranto,
e lavem com sua brancura
o negro de meus pecados.
Teu amor e eu, frente a frente,
a sós, os dois estamos;
e meus dois olhos te dizem
o que não pode meu lábio.
Veja quebrado a teus pés
meu coração de alabastro,
tão duro para querer-te,
para esquecer-te, tão brando!
vejo como, da ferida
mana o olor de meus nardos...
Teu amor e eu, frente a frente,
a sós, os dois estamos.
Os dois, com a alma rota;
os dois, transidos de bálsamo.
E teus dois olhos me dizem:
"Muito se te há perdoado"!
I
X ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA TERCEIRA VEZ
Triplicaste tua caída
entre soluços e lágrimas.
A magnólia de tua veste
jaz em terra, despojada
e o caudal de teus cabelos
-fonte de águas limpas-
sobre as pedras desnudas
dormindo, se esparrama ...
Que desfalecer do corpo,
que desalento na alma!
Quanta sede de abandonar-te
e não prosseguir a marcha,
suspender eternamente
o ritmo das pisadas!
Por que um grito me sobe
temeroso à garganta
um grito para gritar-te:
"Jesus levanta-te e anda"?
Porque outras muitas caídas,
tuas três caídas retratam:
o espanto dos meninos
caídos de madrugada
o colapso dos jóvens
desde os cumes nevados,
as caídas dos velhos
tão negras e tão amargas....
Porque mil negras pupilas
ansiosas em Ti se cravam
para ver se ficas caído
ou ver se te levantas
por isso minha voz te grita:
"Jesus, levanta-te e anda".
Levanta-te mesmo que o cansaço
se derrame em tuas entranhas
Levanta-te, mesmo que o suplício
com vivos incêndios te aguarda.
Levanta-te, que a meta
já se vê muito perto"
Ensine aos homens
essa ciência necessária
de ressurgir varonis
quando no caminho caiam.
Se Tu ficas caído
derrubas nossa esperança.
Somos flores dos campos
que até um sopro desenraíza,
e é tão fácil que na vida
se fique caída a alma,
quando há sentido o abraço
lamacento dos charcos
que oferecem lótus de ouro
e víboras aninhadas!
E é tão duro levantar-se
para prosseguir a marcha
quando nas veias há frio
e anoitece nas entranhas....
Jesus, pelos pecadores
minha voz te grita angustiada,
por nós pecadores,
Jesus, levanta-te e anda!
DÉCIMA ESTAÇÃO
JESUS É DESNUDADO E EMBEBIDO COM FEL E VINAGRE.
Assim, desnudo,
meu Deus,
que pena me dá olhar-te,
escultura, de vergonha
cinzelado em neve e sangue!
Tens todo o desamparo
de nossos Primeiros Pais,
ao esconderem-se chorosos
e desnudos atrás das árvores
com o sabor do pecado
amargando-lhes as goelas.
Também há entre teus lábios sabor de fel e vinagre:
amargura de pecados que, sem bebê-lo, provaste.
As flechas dos olhos e dos risos irreverentes
sobre teu corpo desnudo voando vão cravar-se.
Oh se pudesses correr, como um menino,
até tua Mãe, e esconder-te entre seus braços,
e em seu regaço aninhar-te!
E onde estarão agora aqueles
panos limpos
da luminosa noite;
a
onde os lírios do vale
tecem túnicas brancas
sem rugas e sem teares;
onde estão os corderinhos
vestidos de lã suave
que te veem a Ti desnudo
e não correm a abrigar-te?
Porém,
vistes
bem,
que importa se os soldados repartem
entre si tuas vestes cheias de suor e sangue?
Tens oh Deus, uma túnica
que ninguém poderá arrancar-te:
a túnica de teu corpo que te tecera tua Mãe
no tear de seu seio com o linho de sua carne.
Dessa veste, nem a morte poderá jamais despojar-te!
Olha, Senhor, a minha alma também desnuda e sangrante:
se jogaram os dados entre o Demônio e a Carne
minha túnica d
e
graça em frenética algazarra,
enquanto o Mundo via minha angústia
sem inalterar-se....
Não me deixaram nem o manto
para cobrir minhas maldades!
e ante os olhos do mundo,
tão cruéis e tão covardes,
ser pecador descoberto
é ser duas vezes culpado.
Como doem os olhares
que em mim vem cravar-se!
Que amargas são estas culpas de cinza e de vinagre!
E como entrarei desnudo em teus festins nupciais?
Se vem o Rei e vê me lançarem à rua....
Quando tu s
ob
es glorioso,
pelos caminhos do ar,
reveste-te com tua veste
de fogo santificante;
reveste-me com a túnica inconsútil de teu sangue.
E assim, vestido de Cristo, cheio de claridades,
enquanto os anjos cantam
o cântico dos cânticos,
irei fundir-me
no regaço oceânico de teu Pai.
DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
JESUS É CRAVADO NA CRUZ
És a Rocha da luz
com entranhas de água nova;
nós somos o barro
amassado com trevas.
Há em teus claros abismos
mananciais de vida eterna;
nós temos sede
em nossas áridas veias.
Nossa sede é infinita,
nossa secura, tremenda;
o ardor dos desertos
em nossas almas, chamas.
Reflexos de loucura,
na mente reverberam
e sobe um grito de fogo
desde as entranhas secas.
Nos íntimos jardins
se requeimou a açucena,
e a rosa enamorada,
de sede, caiu morta.
O ouro doce do trigo
voa ao ar feito faíscas
e as vinhas debaixo de um céu de fogo
crepitam sedentas....
Assim, sem vinho, sem rosas,
sem pão e sem açucenas,
e com este fogo escuro
que se arrastra pelas veias,
que vida pode viver-se?
que morte será mais negra?....
És a Rocha que guarda
Torrentes de vida eterna;
nós somos a sede
coagulada da terra.
Será preciso que o homem,
num instante de demência
fure sem compaixão a nobre Rocha serena..
Se não podemos viver,
se estão nossas almas secas....
Estende teus pés e mãos
em cruz sobre o madeiro
e deixa que nossos golpes
penetrem em tuas artérias.
Já sai escorrendo o sangue
aos canais da terra,
em divina tranfusão
de tuas veias para suas veias.
Já se apagam nossos fogos
nestas águas eternas
já torna a lançar a vida
sua canção nas artérias.
Quando em teus membros exangües
caia a noite suprema,
um amanhecer de lírios
alumiará as pradarias.
E nascerás repetido
nas castas açucenas,
e estarás em cada rosa,
quando as rosas florescerem,
e quando no doce racimo
seu jugo no cálice verta,
ali beberão os homens
sorvendo de teu sangue novo;
e quando o trigo maduro
se triture entre as pedras,
em cada pão falaremos
do sabor de tua presença.
Porque teu sangue corre
por nossos canais de terra;
se eterniza entre os homens
tua invisível permanência:
nós em Ti vivemos,
Tu vives em nossas veias!
DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO
JESUS MORRE NA CRUZ
Pródigo, o das mãos vazias.
Aonde veio parar
toda tua glória divina,
Oh meu Deus, encarcerado
num cárcere de argila!
Tu que enches os abismos
com tua presença infinita
cabes entre quatro cravos
e uma coroa de espinhos?
Deixaste o seio do Pai
pelo seio de Maria?
Do céu fugiste trazendo
toda tua herança divina:
a deste aos pecadores
e às mulheres perdidas.
O suco das romãnzeiras
coroou tuas senes limpas
com sua loucura de fogo
debaixo do sombrio
jardim
e assim saíste, embriagado,
pela clara manhãzinha,
a desperdiçar teus tesouros
com amor e sem medida.
Tuas mãos foram semeando
sua chuva de rosas lindas
no sulco azul do ar
sobre as terras baldias....
Já estás aí,
com as mãos rôtas
,
na cruz sobre a colina;
que te fica já para dar
de tuas riquezas divinas?
Por ter as mãos r
ô
tas
te ficaram vazias.
Junto a teu Pai,
na luz inacessível vivias;
hoje estás entre trevas
como uma estrela caída
Em teu palácio,
uma multidão de arcanjos te servia;
hoje estás entre mulheres que choram
e homens que gritam.
Antes eras o Ungido,
com bálsamo de alegria;
hoje navegas num mar
de tristeza sem margens.
Disseste que entre os homens
viver era uma delícia;
e não há dor comparável
a tua tremenda agonia....
Pródigo de mãos r
ô
tas...
e és a Sabedoria!
Oh Cisne de Deus que cantas
à morte pressentida,
já vão tuas sete palavras cantando na ladainha ....
Que esperas para que saia de teu coração a vida?
Volte para tua casa, Pródigo, o de mãos feridas!
Em seu palácio teu Pai,
o Grande Ancião de dias,
perscrutando as veredas com suas eternas pupilas,
espera já teu retorno pelas sendas florescidas.
As lâmpadas do Paráclito
ornadas de sempre vivas
para iluminar teus passos
também estão acesas....
Mas, já sei o que esperas
para que volte tua vida,
pelo túnel da morte,
às mansões divinas:
buscas a quem dar
teus cravos e tuas feridas;
e buscas outra cabeça
para por teus espinhos.
Dá-mos, Senhor,
ansiosos, por recebê-los,
esperam meus pés,
minhas mãos e minhas senes doloridas!
ante tua suprema dádiva
está minha fé de joelhos.
Eu subirei, sobre o monte
ao ficar tua cruz vazia,
e dormirei com meus sonhos
sobre teu leito de mirra.
Aí deixarei que irrompam
minhas cascatas dormidas,
para completar em meu corpo
tua paixão interrompida.
Porém já volta,
meu
Deus,
à mansões divinas.
Volta a acender nos lábios
de teu Pai, o sorriso.
Venha desatar as fogueiras
do Paráclito, cativas.
Venha devolver aos céus
sua inextinguível alegria:
se tudo está consumado,
se já tens outra vítima!
DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
JESUS É DESC
IDO DA CRUZ E POSTO NOS BRAÇOS DE SUA MÃE
Meu Jesus está sonhando,
pelo caminho
dormiu
três vezes o pobrezinho.
Filhinho, dorme, dorme,
que nesta noite,
não haverá quem te desperte.
De manhãzinha, chorando,
pelos caminhos do céu,
Saiu meu menino a buscar
seu rebanho de cordeiros.
Todos andavam perdidos
entre os barrancos negros....
Num bosque de alaridos
e braços
tensos, no alto,
entrou meu Menino tremendo
de solidão e de medo....
As flores eram de sangue,
as ramas eram flagelos,
as maldições, voavam,
como pássaros, ao vento.
Era tão largo o caminho,
estava o ar tão negro,
que meu Menino caiu
três vezes na vereda;
e quando aos olhos d'água
se acercou a beber sedento
lhe deram a beber mirra
aqueles cruéis algozes!
Por fim subiu meu Menino
Sobre as ramas de um cedro
para ver se das alturas
divisava seus cordeiros.
Seu sétuplo canto triste
rodou pelo Universo.
Como um pardalzinho
todo púrpura seu peito,
ficou meu menino dormindo
sobre as ramas do cedro;
as nuvens acariciavam
com devoção os cabelos.
Adormecido o encontraram
no caminho do céu,
e dormindo, nos meus braços,
de noite, me trouxeram
Tem em seus pés dois cravos,
em suas mãos dois luzeiros
e em seu Coração um Sol
três vezes santo e aberto.
Filhinho, que entre meus braços
jazes cansado e desfeito,
dorme sem ansiedades
por teus perdidos cordeiros
Nesta noite de lua
os
tem juntado no céu;
pela imensidão azul
vagam cândidos, pastando,
entre rosas imortais
e remansos de luzeiros.
Inumeráveis e puros,
como os flocos de inverno,
de todos os horizontes
ascendem no firmamento
Quando a luz te desperte
já sem dor e sem sonho,
oh como haverás de alegrar-te
por teus encontrados cordeiros.
Filhinho, que entre meus braços
jazes desnudo e desfeito,
segue dormindo, no berço
de meu amor e de meus beijos....
Estes beijos são os úItimos
mas meu amor é eterno.
Segue dormindo em meus braços,
mesmo sabendo que teu sonho
é espada de dois fios que
me traspassa por dentro....
Dorme que para velar-te,
está minha dor desperta.
Meu Jesus está sonhando,
pelo caminho
dormiu
três vezes o pobrezinho.
Filhinho dorme,
dorme, que na alvorada
virá a luz divina que te desperte.
DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
O CORPO DE JESUS É DEPOSITADO NO SEPULCRO
Menina que levas ao peito sete punhais cravados,
Mãe que vais a semear
a Deus debaixo das romãzeiras:
já vem os semeadores,
com a semente, chorando;
já trazem o corpo de Cristo
branco sobre o linho branco.
Senhora, eu não queria
nem olhar-te nem olhá-lo
Tu me o entregaste menino
como broto de nardos;
eu devolvo morto
como um racimo pisado.
Traz muita noite nas veias
e muita neve nos lábios.
Se lhe congelou a vida
no Coração quebrantado....
Senhora, eu não queria
nem olhar-te, nem olhá-lo.
Vem e desfolhe a última flor
de teu beijo em seus lábios
e deixa que o semeemos
neste sulco de pranto.
quem sabe se já de manhã
conhecemos o milagre
de que retomem as doces
batidas em seu costado!
Se é um augúrio de espigas
a morte de cada grão,
se está a ressurreição
debaixo da tumba esperando
por que semear aos mortos resultará
tão amargo?
Que dilúvio de silêncio
se vazou sobre os campos....
A solidão, com suas águas,
cobriu os montes mais altos!
Menina que levas ao peito
sete punhais cravados:
debaixo no sepulcro,
deixaste teu coração, esquecido....
Por que floresce o silêncio
como um inaudito cântico?
quem se põe a cantar
quando homens choramos?
Senhora, os mortos cantam,
os mortos estão cantando!
Entre as sombras agitam
o címbalo de suas mãos:
que também para os mortos
chegou o Domingo de Ramos.,
Já vai o Senhor descendo
por caminhos subterrâneos
de todos os cemitérios
sobe um clamor a seu passo
enquanto se impregna de vida
a terra, com seu contato.
Um sopro de primavera
sacode os ossos áridos
e retrocede a Morte
entre as tumbas gritando.
Aonde está tua vitória,
oh morte de dedos pálidos?
Já vão debaixo dos ciprestes
as semprevivas brotando....
Mãezinha que semeaste a Deus
debaixo das romãzeiras:
sobre o arco de tuas lágrimas
tem florescido os cânticos;
amanhã, quando o luzeiro
da aurora beije tuas pálpebras,
a terra dará seu fruto
imortal e perfumado....
Então, cerra teus olhos,
então, abre teus lábios
para que bebas o vinho
do Filho ressuscitado.